sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Capítulo 22 - Como eu era antes de você

          Entrei correndo no pronto-socorro. O enorme mapa do hospital e minha natural falta de senso de direção contribuíram para que eu levasse uma eternidade para encontrar a ala onde ficavam os pacientes graves. Tive de perguntar três vezes até alguém me indicar a direção certa. Finalmente, abri a porta de vaivém da Enfermaria C12, ofegante, e Nathan estava lá no corredor, sentado, lendo o jornal. Levantou o olhar quando me aproximei.
— Como ele está?
— Respirando com ajuda de aparelhos. Estável.
— Não entendo. Ele estava ótimo na sexta à noite. Tossiu um pouco no sábado de manhã, mas... isso? O que houve?
Meu coração estava acelerado. Sentei-me um instante, tentando recuperar o fôlego.
Correra sem parar desde que recebera a mensagem de texto de Nathan, uma hora antes. Ele se levantou e dobrou o jornal ao meio.
— Não é a primeira vez que isso acontece, Lou. Ele tem uma bactéria nos pulmões, sua tosse não funciona como a das outras pessoas, ela piora muito rápido. Tentei aplicar algumas técnicas de desobstrução na tarde de sábado, mas Will estava com muita dor. Teve uma febre repentina, depois começou a sentir uma dor penetrante no peito. À noite, precisamos chamar a ambulância.
— Droga — eu disse, me inclinando. — Droga, droga, droga. Posso entrar no quarto?
— Ele está bem grogue. Não vai conseguir nada. E a Sra. T. está lá.
Deixei minha mochila com Nathan, lavei as mãos com loção antibacteriana, empurrei a porta e entrei.
Will estava no leito, coberto por um lençol azul, tomando soro e cercado de máquinas que emitiam bips intermitentes. O rosto estava meio oculto por uma máscara de oxigênio e seus olhos estavam fechados. A pele parecia cinza, tinha uma brancura azulada que fez algo encolher dentro de mim. A Sra. Traynor estava sentada ao lado dele, com uma mão sobre seu braço coberto. Encarava, distraída, a parede à sua frente.
— Sra. Traynor — cumprimentei.
Assustada, ela olhou para mim.
— Ah, Louisa.
— Como... como ele está? — Eu queria me aproximar e segurar a outra mão de Will, mas não me sentia à vontade. Fiquei parada à porta. Ela estava tão abatida que só entrar no quarto já parecia invasivo.
— Melhorou um pouco. Deram uns antibióticos bem fortes para ele.
— Tem... alguma coisa que eu possa fazer?
— Acho que não. Nós... nós só temos de esperar. O médico deve voltar daqui a mais ou menos uma hora. Espero que possa nos dar mais informações.
O mundo parecia ter parado. Fiquei ali mais um pouco, com o bip contínuo das máquinas gerando um ritmo na minha cabeça.
— Quer que eu fique um pouco com ele? Para a senhora descansar?
— Não. Acho que vou ficar mais um pouco.
Parte de mim esperava que Will ouvisse minha voz. Parte de mim esperava que ele abrisse os olhos por cima daquela máscara transparente de plástico e dissesse:
— Clark. Sente-se, pelo amor de Deus. Você está bagunçando o quarto.
Mas ele continuou deitado imóvel lá.
Passei a mão pelo rosto.
— Quer... quer que eu traga algo para beber?
A Sra. Traynor me olhou.
— Que horas são?
— Quinze para as dez.
— É mesmo? — Ela balançou a cabeça, como se fosse difícil acreditar. — Obrigada, Louisa. Seria... Seria muita gentileza. Tenho a impressão de estar aqui há muito tempo.
Eu tive folga na sexta-feira, em parte porque os Traynor insistiram que eu merecia um descanso, mas o principal motivo foi que eu só podia conseguir um passaporte indo a Londres de trem e entrando na fila em Petty France. Na sexta à noite, quando voltei, passei no anexo para mostrar a Will o que tinha conseguido e conferir se o passaporte dele ainda estava válido. Achei-o um pouco calado, mas nada muito fora do comum. Em alguns dias ele se sentia mais desconfortável do que em outros. Concluí que aquele era um desses dias. Na verdade, minha cabeça estava tão cheia com nossos planos de viagem que eu só conseguia pensar nisso.
Passei a manhã de sábado pegando minhas coisas na casa de Patrick com a ajuda de papai, à tarde fui até a avenida principal fazer compras com mamãe, pois precisava de um maiô e de algumas outras coisas para a viagem. Dormi na casa de meus pais no sábado e no domingo; ficou bem apertado, com Treena e Thomas lá também. Na segunda de manhã, levantei-me às sete para estar na casa dos Traynor às oito. Quando cheguei, estava tudo fechado, as portas da frente e dos fundos trancadas. Não deixaram nenhum bilhete. Parei no portão da frente e liguei para Nathan três vezes, mas ninguém atendeu. O telefone da Sra. Traynor caiu na caixa-postal. Fiquei sentada na escada quarenta e cinco minutos até receber a mensagem de texto de Nathan.

Estamos no hospital do condado. Will está com pneumonia. Enfermaria C12

Nathan foi embora e fiquei sentada do lado de fora do quarto de Will por mais uma hora. Folheei revistas que alguém devia ter deixado sobre a mesa em 1982, depois peguei um folheto na mochila e tentei ler, mas era impossível me concentrar.
O médico apareceu, mas não achei certo entrar no quarto enquanto a mãe de Will estivesse lá. Quando ele saiu, quinze minutos depois, a Sra. Traynor veio logo atrás. Não sei se ela me contou apenas porque precisava falar com alguém e eu era a única pessoa ali, mas disse num tom de voz baixo e aliviado que o médico estava bastante confiante de que a infecção tinha sido controlada. Era uma bactéria muito forte. Por sorte, Will havia ido logo para o hospital. Ela terminou a frase dizendo:
— Senão... — e a palavra ficou pendurada no silêncio entre nós.
— O que fazemos agora? — perguntei.
Ela deu de ombros.
— Esperamos.
— Quer que eu compre alguma coisa para a senhora comer? Ou prefere que fique aqui enquanto almoça?
De vez em quando, eu e a Sra. Traynor conseguíamos nos entender. O rosto dela suavizava um pouco, perdia a rigidez habitual e, de repente, eu notava como ela estava exausta. Acho que tinha envelhecido uns dez anos desde que eu fora trabalhar com eles.
— Obrigada, Louisa — disse. — Gostaria muito de ir em casa trocar de roupa, se você puder ficar com ele. Não quero deixá-lo sozinho.
Quando ela saiu, entrei no quarto, fechei a porta e sentei-me ao lado de Will, que parecia estranhamente ausente. Era como se o Will que eu conhecia tivesse tirado umas férias rápidas, deixando apenas a casca. Me perguntei se era assim quando alguém morria. Depois me obriguei a parar de pensar em morte.
Fiquei ouvindo o tique-taque do relógio, o eventual murmúrio de vozes vindo lá de fora e o suave rangido dos sapatos sobre o linóleo. Uma enfermeira veio duas vezes checar vários controles, apertou alguns botões, tirou a temperatura dele e nem assim Will se mexeu.
— Ele está... bem, certo? — perguntei.
— Está dormindo — respondeu ela, segura. — É o melhor que pode fazer, no momento. Não se preocupe.
É fácil dizer isso. Mas, naquele quarto de hospital, eu tinha muito em que pensar. Pensei em Will e na rapidez assustadora com que ficou gravemente doente. Pensei em Patrick e no fato de – mesmo quando juntei minhas coisas no apartamento dele, retirei e enrolei meu calendário da parede, dobrei e coloquei na mala as roupas que eu tinha guardado com tanto cuidado nas gavetas – não ter ficado triste como achei que ficaria.
Não me senti desolada, nem deprimida, nem nenhuma das coisas que se deve sentir ao terminar um relacionamento de anos. Fiquei muito calma, levemente triste e talvez um pouco culpada pela separação e pelo fato de não me sentir como achava que deveria.
Mandei duas mensagens de texto para ele dizendo que sentia muito e que esperava que ele se saísse muito bem no Norseman Xtreme. Mas ele não respondeu.
Uma hora depois, inclinei-me sobre a cama, levantei o lençol que cobria o braço de Will e lá estava a mão dele, levemente bronzeada, sob o lençol branco. Tinha uma cânula no dorso, presa com fita cirúrgica. Quando virei a mão, vi que as cicatrizes ainda estavam bem nítidas no pulso. Por um momento me perguntei se algum dia sumiriam, ou se para sempre seriam um lembrete do que ele tentou fazer.
Segurei carinhosamente os dedos dele nos meus e fechei a mão. Estavam quentes, eram dedos de alguém bem vivo. Eles se encaixaram tão bem nos meus que fiquei assim, observando os calos que mostravam que não tinha passado a vida apenas atrás de uma mesa de trabalho, as unhas rosadas que sempre teriam de ser cortadas por outra pessoa.
Will tinha mãos de homem; atraentes e com dedos quadrados. Era difícil olhá-las e acreditar que não tinham força, que nunca mais pegariam alguma coisa numa mesa, tocariam o braço de alguém ou se fechariam.
Percorri os nós dos dedos. Uma pequena parte de mim se perguntou se eu ficaria constrangida caso Will abrisse os olhos, mas não me importava. Senti que, com certeza, seria bom para ele ficar de mão dada comigo. Esperava que, de alguma forma, além da barreira daquele sono químico, ele concordasse com aquilo; fechei os olhos e esperei.

* * *

Finalmente, pouco depois das quatro, Will acordou. Eu estava no corredor, esticada nas cadeiras, lendo um jornal que alguém jogara fora, e dei um pulo quando a Sra. Traynor veio falar comigo. Parecia um pouco mais animada ao dizer que ele estava conversando e queria me ver. Disse também que ia descer e ligar para o Sr. Traynor.
Depois, como se não conseguisse evitar, ela acrescentou:
— Por favor, não o canse.
— Claro que não — garanti.
Dei um sorriso simpático.
— Olá — eu disse, enfiando a cabeça pela porta entreaberta.
Ele virou a cabeça devagar na minha direção.
— Olá.
Sua voz estava rouca, como se tivesse passado as últimas trinta e seis horas gritando e não dormindo. Sentei-me e observei-o. Ele olhou para baixo.
— Quer que eu tire a máscara de oxigênio um minuto?
Ele concordou com a cabeça. Tirei-a com cuidado, puxando-a para o alto da cabeça.
A parte que cobria a pele deixou uma camada fina de suor. Peguei um lenço de papel e passei gentilmente no rosto dele.
— Como está se sentindo?
— Já estive melhor.
Um grande nó se formou na minha garganta e tentei engoli-lo.
— Sei... Você faz tudo para chamar a atenção, Will Traynor. Aposto que isso foi apenas...
Ele fechou os olhos, fazendo com que eu interrompesse a frase. Quando os abriu de novo, traziam um toque de desculpas.
— Perdão, Clark. Acho que hoje não consigo fazer graça.
Ficamos ali sentados. Comecei a matraquear no pequeno quarto verde-claro, contei que tirei minhas coisas do apartamento de Patrick e que foi bem fácil pegar os meus CDs no meio da sua coleção graças à insistência dele para eu arrumá-los em ordem.
— Você está bem? — perguntou Will, quando acabei de falar.
Tinha o olhar solidário, como se imaginasse que a minha situação fosse mais difícil do que era.
— Sim, claro. — Dei de ombros. — Não é tão ruim assim. De todo jeito, tenho outras coisas com que me preocupar.
Will ficou calado. Por fim, disse:
— A questão é a seguinte: acho que não vou fazer bungee jump tão cedo.
Eu sabia. Meio que esperava por isso desde que recebi a mensagem de Nathan. Mas ouvir as palavras saírem da sua boca foi como um soco.
— Não se preocupe — falei, tentando manter a voz firme. — Está tudo bem. Vamos numa outra ocasião.
— Desculpe. Eu sei que você queria muito ir.
Coloquei a mão na testa dele e alisei o cabelo para trás.
— Psiu. Não tem importância. Só quero que melhore logo.
Ele fechou os olhos com um leve piscar. Eu sabia o que significavam aquelas rugas ao redor dos olhos, aquela expressão resignada. Significavam que não haveria outra ocasião. Significavam que ele achava que nunca mais ficaria bom.

* * *

Na volta do hospital, parei na Granta House. O pai de Will abriu a porta para mim, e parecia quase tão cansado quanto a Sra. Traynor. Segurava um casaco impermeável surrado, como se estivesse prestes a sair. Avisei que a Sra. Traynor ficaria mais uma vez com Will; que os antibióticos pareciam estar fazendo efeito e que ela pediu para avisar que passaria mais uma noite no hospital. Não sei por que ela mesma não podia avisá-lo.
Talvez estivesse com a cabeça cheia, só isso.
— Como ele está?
— Um pouco melhor que de manhã — respondi. — Chegou a ingerir líquidos enquanto eu estava lá. Ah, e reclamou de uma das enfermeiras.
— Continua uma pessoa difícil.
— É, continua.
Por um instante, vi o Sr. Traynor apertar os lábios e seus olhos brilharem. Olhou pela janela, depois para mim. Não sei se ele preferia que eu não tivesse percebido.
— Esta foi a terceira crise. Em dois anos.
Levei um tempo para entender.
— De pneumonia?
Ele concordou com a cabeça.
— Coitado. Ele tem muita coragem, você sabe. Por trás de toda aquela arrogância. — Engoliu em seco e balançou a cabeça, como se falasse consigo mesmo. — Ainda bem que você sabe, Louisa.
Eu não sabia o que fazer. Estiquei a mão e toquei o braço dele.
— Sei, sim.
Ele acenou levemente com a cabeça para mim. Pegou o chapéu panamá no cabideiro do corredor. Resmungou algo que podia ser um obrigado ou um até logo, passou por mim e saiu pela porta da frente.
O anexo ficou estranhamente silencioso sem a presença de Will. Percebi que eu tinha me acostumado com o zunido da sua cadeira motorizada, indo para a frente e para trás, as conversas sussurradas com Nathan no quarto ao lado, o som suave do rádio.
Agora que o anexo estava calmo, o ar parecia ter sumido à minha volta.
Arrumei uma mala com todas as coisas que ele poderia precisar no dia seguinte, inclusive roupas limpas, escova de dentes, escova de cabelo e remédios, além de fones de ouvido, caso estivesse disposto a ouvir música. Ao fazer isso, precisei lutar contra uma conhecida e crescente sensação de pânico. Uma vozinha subversiva ficou gritando dentro de mim: Seria exatamente igual, se ele tivesse morridoPara afastar esse pensamento, liguei o rádio, tentando trazer o anexo de volta à vida. Fiz uma faxina, substituí as roupas da cama de Will por novas e colhi flores no jardim e as coloquei na sala. Então, quando ficou tudo pronto, encontrei o folheto de férias na mesa.
Eu passaria o dia seguinte inteiro com aquela papelada, cancelando toda a viagem, todos os passeios marcados. Não dava para saber quando Will teria condições de ir. O médico recomendou repouso, terminar a bateria de antibióticos, manter o corpo aquecido e seco. Canoagem em águas claras e mergulho de cilindro não faziam parte da recuperação dele.
Olhei bem para os folhetos, lembrando de todo o esforço, trabalho e imaginação que me custaram. Olhei para o passaporte que consegui após encarar uma fila, lembrei da minha crescente animação até quando peguei o trem para a cidade e, pela primeira vez desde que havia começado a planejar, me senti desapontada. Faltavam apenas três semanas e eu tinha fracassado. Meu contrato ia terminar e eu não tinha feito nada que mudasse a cabeça de Will. Tinha medo até de perguntar à Sra. Traynor para onde íamos agora. De repente, fiquei deprimida. Apoiei a cabeça nas mãos e fiquei assim naquela pequena casa silenciosa.
— Boa noite.
Levantei a cabeça, assustada. Nathan estava ali, enchendo a pequena cozinha com seu corpanzil. Carregava a mochila nos ombros.
— Só passei aqui para deixar algumas receitas médicas para quando ele voltar. Você... está bem?
Esfreguei os olhos.
— Claro. Desculpe. Só... meio desanimada de cancelar tudo isso.
Nathan deixou a mochila escorregar pelo ombro e sentou-se à minha frente.
— É uma pena, sem dúvida. — Pegou o folheto e deu uma olhada. — Quer ajuda amanhã? Eles não precisam de mim no hospital, então poderia passar uma hora aqui de manhã. Para ajudar nos telefonemas.
— É muita gentileza sua. Mas não precisa, talvez seja mais fácil eu fazer tudo.
Nathan fez chá e sentamos um em frente ao outro para beber. Acho que foi a primeira vez que realmente conversamos, pelo menos sem Will entre nós. Ele contou de um ex-paciente tetraplégico C3/C4 que usava um aparelho para controlar a respiração e que ficou doente pelo menos uma vez por mês enquanto ele trabalhava lá. Contou sobre as outras pneumonias de Will, e que ele quase morreu na primeira, levando semanas para se recuperar.
— Ele fica com aquele olhar... — disse Nathan. — Quando está mal mesmo. É assustador. Como se ele... se retirasse. Como se não estivesse ali.
— Sei como é. Detesto aquele olhar.
— Ele é um... — começou Nathan. E, abruptamente, desviou o olhar de mim e calou-se.
Ficamos segurando nossas xícaras de chá. Observei Nathan pelo canto do olho, o rosto simpático que de repente pareceu se fechar. Percebi então que eu ia fazer uma pergunta cuja resposta já sabia.
— Você sabe, não é?
— Sei o quê?
— O que... ele pretende fazer.
O silêncio na cozinha foi súbito e intenso.
Nathan me olhou atento, como se pesasse a resposta.
— Eu sei. Não devia, mas sei — continuei. — Por isso... pensei em fazer a viagem. Por isso as saídas de casa. Eu estava tentando fazer com que ele mudasse de ideia.
Nathan colocou a xícara na mesa.
— Eu imaginei — disse ele. — Você parecia... estar cumprindo uma missão.
— Eu estava. Estou.
Ele balançou a cabeça, não sei se para indicar que eu não devia desistir, ou para dizer que não havia nada a ser feito.
— O que vamos fazer, Nathan?
Ele levou uns dois minutos para responder.
— Sabe de uma coisa, Lou? Gosto muito do Will. Não me importo de dizer, gosto do cara. Trabalho com ele há dois anos. Vi-o nos piores e nos melhores momentos, e tudo o que posso dizer é que não gostaria de estar no lugar dele nem por todo o dinheiro do mundo.
Deu um gole no chá.
— Algumas vezes, ele acordava à noite gritando porque sonhava que andava, esquiava e fazia coisas; nessas horas, quando está com as defesas baixas e tudo fica insuportável, ele não consegue pensar que nunca mais vai fazer nada. Não consegue. Eu ficava com ele e não havia o que dizer para melhorar a situação. Ele recebeu as piores cartas do jogo. E sabe de uma coisa? Olhei-o na noite passada, pensei na vida dele e no que vai ser... e, apesar de desejar toda a felicidade do mundo para ele... não o condeno pelo que quer fazer. É escolha dele. Tem que ser.
Minha respiração ficou presa na garganta.
— Mas... isso foi antes. Todos vocês dizem que foi antes de eu vir. Ele mudou. Não mudou?
— Certamente, mas...
— Se não acreditarmos que ele vai se sentir melhor, que vai melhorar, como ele vai acreditar?
Nathan colocou a xícara na mesa. Olhou bem para mim.
— Lou. Ele não vai melhorar.
— Você não sabe.
— Eu sei. A menos que haja um grande avanço na pesquisa de células-tronco, Will vai ficar mais dez anos naquela cadeira. No mínimo. Ele sabe, mesmo que os pais dele não admitam. E essa é a metade do problema. A mãe quer que ele viva de qualquer maneira. O Sr. T. acha que, à certa altura, temos de deixar Will resolver.
— Claro que ele decide, Nathan. Mas ele precisa avaliar.
— Will é inteligente. Sabe exatamente as chances que tem.
Minha voz pairou na pequena cozinha.
— Não, você está errado. Você diz que ele está igual a antes de eu chegar aqui. Que não mudou nada.
— Não vejo dentro da cabeça dele, Lou.
— Você sabe que mudei a maneira de ele pensar.
— Não, eu sei que ele faz tudo para agradar você.
Olhei bem para ele.
— Você acha? — Fiquei furiosa com Nathan, furiosa com todos eles. — Se acha que nada disso adianta, por que ia conosco na viagem? Por que quis ir? Só para ter umas boas férias?
— Não. Quero que ele viva.
— Mas...
— Mas que viva se ele quiser. Se não quiser, então, por mais que você e eu gostemos dele, viramos só mais um bando de chatos que não respeitam sua vontade.
As palavras de Nathan reverberaram no silêncio. Sequei uma lágrima solitária no rosto e tentei fazer com que meu coração voltasse ao ritmo normal. Nathan pareceu constrangido com meu choro, coçou o pescoço e, sem dizer nada, um minuto depois me passou uma folha de papel-toalha.
— Tenho que impedir, Nathan.
Ele não disse nada.
— Tenho — repeti.
Olhei o meu passaporte na mesa da cozinha. Era horrível. Parecia uma outra pessoa. Alguém cuja vida, cuja maneira de viver não era a minha. Olhei o passaporte, pensando.
— Nathan?
— Sim?
— Se eu organizar uma viagem que os médicos aprovem, você viria? Você continuaria a me ajudar?
— Claro que sim. — Ele levantou-se, lavou a xícara e colocou a mochila no ombro. Virou-se para mim antes de sair da cozinha. — Mas vou ser sincero, Lou. Não sei se você consegue.

Nenhum comentário:

Postar um comentário